Nos antigos estatutos da Santa Casa da Misericórdia, datados de 28 de Dezembro de 1750, havia uma disposição que obrigava aquela instituição a celebrar anualmente a solenidade de Passos e Calvário, e até estabelecia a ordem da Procissão.(1). E a respectiva Mesa cumpria essa obrigação estatutária com o maior rigor, normalmente, no terceiro domingo da Quaresma, como ainda acontece.
Durante o ano a Veneranda Imagem, que se mantinha sempre no respectivo andor, era guardada, conjuntamente com a Imagem da Senhora da Soledade, num grande armário que existia na “sacristia dos Terceiros Franciscanos”, na igreja de Nossa Senhora da Conceição.
Na véspera do domingo destinado à Procissão, o respectivo Provedor, normalmente o comerciante João de Deus Macedo, ia para a igreja com outros irmãos, preparar o andor, mudar os vestidos do Senhor dos Passos e de Nossa Senhora, por vestes mais ricas, e os demais utensílios. Não esquecia a sua vara, que levava na procissão à frente do andor do Senhor.
Havia ainda a Bandeira, que abria a Procissão. Era, afinal, um quadro duplo em pinturas com cenas da Paixão de Jesus Cristo, que, fixo a uma vara, era conduzido por um dos irmãos. Toda a Irmandade usava balandraus pretos (opas com capuz).
João de Deus, que quase sempre desempenhava as funções de administrador do concelho, cargo hoje extinto, era pessoa muito dedicada aos cargos que exercia. Preparava a Procissão com todo o cuidado e entusiasmo e, para as pessoas que ajudavam a organiza-la, levava sempre uma lata com bolachas e uma garrafa de um licor qualquer, nem recordo o nome.
Na vila existiam cinco “Passos” ou pequenas capelas onde a procissão fazia paragem e os músicos entoavam um moteto apropriado. Dois deles desapareceram com construções feitas nos locais, todavia os respectivos proprietários sempre tiveram o cuidado de preparar pequenas capelas a substitui-los.
À entrada da Procissão na igreja, havia o sermão do Calvário. Para isso era preparado um pequeno “calvário” em urze, onde se colocava um minúsculo escadote e uma corda, utensílios utilizados na Crucifixão do Senhor, tendo ao cimo um crucifixo, hoje existente na Matriz e que é uma das melhores e mais expressivas esculturas da Paróquia.
Na noite do dia da Procissão as pessoas tinham por devoção percorrer os Passos e rezar certas orações condizentes com o acto praticado. Uma tradição que era cumprida com recolhimento e respeito. Por isso, os vizinhos dos Passos, que a seu cuidado tinham o respectivo arranjo, mantinham-nos com as mesmas cobertas e flores, até ao dia seguinte.
Velhas tradições, quase desaparecidas, e que davam testemunho da fé e da simples mas sincera prática cristã dos nossos antepassados.
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No passado domingo realizou-se na Matriz desta vila a Procissão de Passos, com acompanhamento de muitos fiéis e da Filarmónica Liberdade Lajense, tal como aconteceu há 146 anos, quando ela saiu pela primeira vez na Procissão de Penitência.
Ermelindo Ávila
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