Na Sexta-feira Santa, a Igreja celebra a Morte salvífica de Cristo. Na acção litúrgica da tarde, ela medita na Paixão do seu Senhor, intercede pela salvação do mundo, adora a Cruz e comemora a sua origem do lado aberto do Salvador.
Entre as manifestações de piedade popular da sexta-feira santa, além da via-sacra, sobressai a procissão do «Senhor Morto» ou como também é chamado «Enterro do Senhor». Ela volta a propor, nos módulos próprios da piedade popular, o pequeno cortejo de amigos e discípulos que, depois ter deposto da Cruz o corpo de Jesus, o levam ao lugar em que estava «o sepulcro talhado na rocha, onde ainda ninguém tinha sido sepultado» (Lc 23, 53).
Esta procissão estabeleceu-se, em Portugal pela devoção dos fiéis nos fins do século XV e princípios do século XVI.
Foi trazida de Jerusalém pelo Padre Paulo de Portalegre e começou a fazer-se, no Convento de Vilar de Frades, arcebispado de Braga, de 1500 a 1510, onde se estendeu a todas as Catedrais de Portugal.
Começou, pois esta procissão, a ser feita como Santíssimo Sacramento, como ainda hoje se realiza na catedral de Braga.
Em 1518, já o Missal Bracarense mencionava o rito desta procissão, com o Santíssimo Sacramento, o que no Missal de 1512 não se verifica.
Vejamos como era feita esta procissão com o Santíssimo Sacramento. A procissão era realizada com uma das hóstias consagradas na Missa solene de Quinta-feira Santa e que, tendo sido exposta à adoração dos fiéis na tarde e noite desse dia e manha da Sexta-feira, é conduzida processionalmente para o túmulo onde se conserva até à aurora do Domingo de Páscoa. Dai era levada em triunfo cantando-se as alegrias pascais. Esteve esta procissão muito difundida em Portugal e foi seguida durante muitos anos no Rito Romano.
Caída em desuso entre nós, ela foi substituída por outra como imagem do Senhor Morto, e procurando respeitar «as horas próprias e mais convenientes» para «a maior devoção e maior fruto dos fiéis», como indicou a Nova Ordem da Semana Santa, em 1952.
O cortejo viria, no entanto, a sofrer outras modificações ao longo dos séculos, aliando o espírito penitencial à teatralidade, surgiram algumas figurações bíblicas, assinalando algumas cenas do Antigo e do Novo Testamento, como por exemplo: Isaac com a lenha e Abraão, São Pedro, Maria Madalena…
O espírito da contra reforma foi reduzindo as figurações substituindo-as por figuras esculpidas representando as santas personagens.
A Procissão passou a ter uma maior sobriedade e rigidez; abria com o Andador que levava a matraca, depois a Cruz grande sem imagem e sem título, com uma toalha pendente dos braços da cruz, simbolizado a descida de Cristo da Cruz., era acompanhada por duas velas de cera amarela. A irmandade seguia atrás da cruz formando duas alas, levando a cabeça coberta com o capuz da opa e segurando tochas ou velas de cera amarela.
É tradicional levar nesta procissão os Martírios do Senhor, que são conduzidos por crianças vestidas de anjos ou por outras figuras bíblicas.
O responsório do livro das lamentações (Lm1, 12), entoado pela Verónica, nas diversas paragens ao longo do percurso, evoca a dor desesperada de alguém que perdeu o ser mais querido. É curioso notar que, em algumas zonas de Portugal, esse cântico é ainda hoje interpretado por uma mulher representando a Verónica que, por falta de conhecimentos em latim, se limita a entoá-lo musicalmente, reproduzindo a melodia sem qualquer palavra.
« O vos omnes, qui trasistis per viam,
Attendite, et videre is est dolor
similis sicut dolor meus.
Attendite, universi populi et videre dolorem meum
Si est dolor similis sicut dolor meus.»
À frente do palio, seguiam um ou dois turíbulos incensando o ambiente criando uma atmosfera digna da passagem do esquife com o Senhor Morto, sob o palio e rodeado de lanternas ou tochas, este incenso usado era um incenso especial, que só era usado neste dia, chamado Benjoim ou Beijoim, que lembrava os aromas com que embalsamaram o corpo de Nosso Senhor.
A imagem do Senhor Morto será colocada um esquife ou ataúde, o mais artístico possível, deitada sobre um pano de seda roxa.
Depois seguia o celebrante e os ministros, noutros locais é habito seguirem depois dos andores. Por fim, o andor de Nossa Senhora da Soledade, que costuma ir de roxo, e manto azul, e no sul habitualmente de preto. Em varias zonas acompanham também o andor de São João e o de Santa Maria Madalena, sendo cada andor acompanhado de lanternas. A encerrar o cortejo ia três mulheres carpideiras, vestidas de negro, que o povo chamava “as três Marias do behu”, pela lamentação exageradamente ruidosa que entoavam: «Heu Heu Domine, Heu Salvator Noster» (Ai! Ai! Senhor, ai! Nosso salvador!)
A Procissão do Enterro terminava após a cerimónia da Tumulação do Senhor. Que consistia no seguinte, ao chegar à igreja, o celebrante e o povo ajoelhavam-se, e dois seguravam a imagem, elevando-a três vezes perante o povo, enquanto o celebrante incensava a imagem, depois depositando-a em seguida no túmulo, em cima do Altar ou da banqueta, e, após ter entoado os responsórios, encerrava-se o túmulo, ou, caso não houvesse, cobria-se a imagem com um pano, reinando o mais profundo silêncio no templo.
Há o costume nalguns lugares de espalhar rosmaninho e alecrim pelo chão da igreja o que dá ao templo com o seu perfume característico um ar muito especial, que não se deve deixar perder.
Estes ritos da prossição do enterro ainda são cumpridos na minha aldeia...Safara(alentejo)...
ResponderEliminarRosmaninho por todas as ruas da aldeia e dentro da igreja...e o cantar da Verónica(Padeirinha) e das Três Marias, cantares de dor que acompanhão o esquife com o Senhor Morto seguido do Andor com a Virgem Enlutada.
Graças a Deus e ao Povo estas tradiçoes ainda não se perderam...