quinta-feira, 23 de abril de 2009

Procissão do Enterro - Histórial

Na Sexta-feira Santa, a Igreja celebra a Morte salvífica de Cristo. Na acção litúrgica da tarde, ela medita na Paixão do seu Senhor, intercede pela salvação do mundo, adora a Cruz e comemora a sua origem do lado aberto do Salvador.
Entre as manifestações de piedade popular da sexta-feira santa, além da via-sacra, sobressai a procissão do «Senhor Morto» ou como também é chamado «Enterro do Senhor». Ela volta a propor, nos módulos próprios da piedade popular, o pequeno cortejo de amigos e discípulos que, depois ter deposto da Cruz o corpo de Jesus, o levam ao lugar em que estava «o sepulcro talhado na rocha, onde ainda ninguém tinha sido sepultado» (Lc 23, 53).

Esta procissão estabeleceu-se, em Portugal pela devoção dos fiéis nos fins do século XV e princípios do século XVI.
Foi trazida de Jerusalém pelo Padre Paulo de Portalegre e começou a fazer-se, no Convento de Vilar de Frades, arcebispado de Braga, de 1500 a 1510, onde se estendeu a todas as Catedrais de Portugal.
Começou, pois esta procissão, a ser feita como Santíssimo Sacramento, como ainda hoje se realiza na catedral de Braga.
Em 1518, já o Missal Bracarense mencionava o rito desta procissão, com o Santíssimo Sacramento, o que no Missal de 1512 não se verifica.
Vejamos como era feita esta procissão com o Santíssimo Sacramento. A procissão era realizada com uma das hóstias consagradas na Missa solene de Quinta-feira Santa e que, tendo sido exposta à adoração dos fiéis na tarde e noite desse dia e manha da Sexta-feira, é conduzida processionalmente para o túmulo onde se conserva até à aurora do Domingo de Páscoa. Dai era levada em triunfo cantando-se as alegrias pascais. Esteve esta procissão muito difundida em Portugal e foi seguida durante muitos anos no Rito Romano.
Caída em desuso entre nós, ela foi substituída por outra como imagem do Senhor Morto, e procurando respeitar «as horas próprias e mais convenientes» para «a maior devoção e maior fruto dos fiéis», como indicou a Nova Ordem da Semana Santa, em 1952.
O cortejo viria, no entanto, a sofrer outras modificações ao longo dos séculos, aliando o espírito penitencial à teatralidade, surgiram algumas figurações bíblicas, assinalando algumas cenas do Antigo e do Novo Testamento, como por exemplo: Isaac com a lenha e Abraão, São Pedro, Maria Madalena…
O espírito da contra reforma foi reduzindo as figurações substituindo-as por figuras esculpidas representando as santas personagens.

A Procissão passou a ter uma maior sobriedade e rigidez; abria com o Andador que levava a matraca, depois a Cruz grande sem imagem e sem título, com uma toalha pendente dos braços da cruz, simbolizado a descida de Cristo da Cruz., era acompanhada por duas velas de cera amarela. A irmandade seguia atrás da cruz formando duas alas, levando a cabeça coberta com o capuz da opa e segurando tochas ou velas de cera amarela.
É tradicional levar nesta procissão os Martírios do Senhor, que são conduzidos por crianças vestidas de anjos ou por outras figuras bíblicas.
O responsório do livro das lamentações (Lm1, 12), entoado pela Verónica, nas diversas paragens ao longo do percurso, evoca a dor desesperada de alguém que perdeu o ser mais querido. É curioso notar que, em algumas zonas de Portugal, esse cântico é ainda hoje interpretado por uma mulher representando a Verónica que, por falta de conhecimentos em latim, se limita a entoá-lo musicalmente, reproduzindo a melodia sem qualquer palavra.

« O vos omnes, qui trasistis per viam,
Attendite, et videre is est dolor
similis sicut dolor meus.
Attendite, universi populi et videre dolorem meum
Si est dolor similis sicut dolor meus.»

À frente do palio, seguiam um ou dois turíbulos incensando o ambiente criando uma atmosfera digna da passagem do esquife com o Senhor Morto, sob o palio e rodeado de lanternas ou tochas, este incenso usado era um incenso especial, que só era usado neste dia, chamado Benjoim ou Beijoim, que lembrava os aromas com que embalsamaram o corpo de Nosso Senhor.
A imagem do Senhor Morto será colocada um esquife ou ataúde, o mais artístico possível, deitada sobre um pano de seda roxa.
Depois seguia o celebrante e os ministros, noutros locais é habito seguirem depois dos andores. Por fim, o andor de Nossa Senhora da Soledade, que costuma ir de roxo, e manto azul, e no sul habitualmente de preto. Em varias zonas acompanham também o andor de São João e o de Santa Maria Madalena, sendo cada andor acompanhado de lanternas. A encerrar o cortejo ia três mulheres carpideiras, vestidas de negro, que o povo chamava “as três Marias do behu”, pela lamentação exageradamente ruidosa que entoavam: «Heu Heu Domine, Heu Salvator Noster» (Ai! Ai! Senhor, ai! Nosso salvador!)
A Procissão do Enterro terminava após a cerimónia da Tumulação do Senhor. Que consistia no seguinte, ao chegar à igreja, o celebrante e o povo ajoelhavam-se, e dois seguravam a imagem, elevando-a três vezes perante o povo, enquanto o celebrante incensava a imagem, depois depositando-a em seguida no túmulo, em cima do Altar ou da banqueta, e, após ter entoado os responsórios, encerrava-se o túmulo, ou, caso não houvesse, cobria-se a imagem com um pano, reinando o mais profundo silêncio no templo.
Há o costume nalguns lugares de espalhar rosmaninho e alecrim pelo chão da igreja o que dá ao templo com o seu perfume característico um ar muito especial, que não se deve deixar perder.

1 comentário:

  1. Estes ritos da prossição do enterro ainda são cumpridos na minha aldeia...Safara(alentejo)...
    Rosmaninho por todas as ruas da aldeia e dentro da igreja...e o cantar da Verónica(Padeirinha) e das Três Marias, cantares de dor que acompanhão o esquife com o Senhor Morto seguido do Andor com a Virgem Enlutada.
    Graças a Deus e ao Povo estas tradiçoes ainda não se perderam...

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